Cacau da Amazônia equatoriana vira chocolate fino
O Equador é o principal exportador de cacau fino do mundo. A cooperativa Kallari, da Amazônia equatoriana, conseguiu entrar num mercado ainda mais exigente, o de chocolate fino, o chamado produto gourmet. Esse chocolate não está à venda no Brasil. Toda a produção vai para as bombonières de luxo da Europa e dos Estados Unidos.
Cesar Dahua é um dos produtores do cacau. Ele sobe o Rio Napo levando o saco cheio de grãos. A viagem não é longa, em torno de vinte minutos.
Rio acima há um porto, onde um caminhão da cooperativa vem comprar o cacau. É o ponto de reunião de vários cacaueiros ribeirinhos. Eles recebem o pagamento na hora. E o dinheiro é o mesmo dos Estados Unidos, o dólar, pois, desde o ano 2000, o Equador adotou como valor corrente a moeda americana
Fermentação
Sobra tempo para Cesar porque a cooperativa compra o cacau in natura, desobrigando o produtor das tarefas pré-industriais. Toda a produção é transportada para a sede da cooperativa, que fica nos arredores de Tena. A polpa é despejada em caixotes de madeira no armazém de fermentação. Antes, os produtores é que cuidavam disso. Mas, juntando tudo, é possível ter um controle melhor e padronizar o produto. “A finalidade da fermentação é dar maior aroma e sabor ao cacau, que é o que vai diferenciar o nosso chocolate”, diz Pozo.
Carlos Pozo explica que o processo pode durar até uma semana. Os grãos começam com uma temperatura de 23°C, que vai subindo até os 50°C. O embrião da semente morre. Portanto, não há emissão de raízes. E há um momento crucial, que é um segredo que descobriram, em que o cacau começaria a apodrecer, mas é retirado antes. Carlos corta um grão e mostra: as estrias indicam que o inchamento da amêndoa está perfeito.
Terminada a fermentação, o cacau é espalhado em tabuleiros para a secagem. É natural, só com a luz do sol. Mas, como aqui, nunca se sabe quando vai chover, o secador solar tem teto protetor.
As amêndoas são viradas e reviradas até o grau de umidade cair para 6,5%, que é bem baixo. É para evitar que se estraguem, pois, mesmo em condições ideais de armazenamento, a umidade relativa do ar na Amazônia equatoriana é elevada. Com quatro ou cinco dias de sol, o grão fermentado no cacau já está seco, pronto para industrialização.
É numa indústria da capital que acontece a transformação do cacau da cooperativa Kallari. Os grãos são torrados, moídos e cozidos até virarem uma pasta que tem 50% de gordura. A maior parte da manteiga é retirada. Acrescenta-se o açúcar, e a mistura passa, então, por um longo processo de refino.
Mais exportado
O cacau colhido pela família de Cesar Dahua e outras de Tena tornou-se o chocolate gourmet mais exportado do Equador. São 300 mil barras por ano para os Estados Unidos e para a Europa.
Especialistas suíços orientam a fabricação do Kallari, que já ganhou até selo de produto orgânico do Departamento de Agricultura americano. “Eu tenho aqui 70% de cacau e me agrada muito. É muito natural e finíssimo”, diz Louis.
Com um aparelhinho, é possível medir a textura do chocolate. É um micrômetro, capaz de avaliar coisas absolutamente pequenas. Segundo seu Louis, um chocolate considerado bom tem textura de 25 mícrons (milésimos de milímetro). O da Kallari fica abaixo de 20, o que lhe dá uma grande leveza.
Consumidor exigente
Quem é que compra esse produto, lá fora? “É um consumidor exigente que gosta de conhecer coisas diferentes, experimentar novos sabores e saber a origem do produto que compra”, diz o exportador Fausto Moncayo, da Companhia Equatoriana de Chocolate.
Segundo Moncayo, o chocolate gourmet tem um mercado crescente. Está no mesmo trilho, por exemplo, do mercado de vinhos finos “Tem gente disposta a pagar mais pela finesse, pela qualidade. Graças a isso, o Equador, que sempre foi um dos principais exportadores de matéria prima, de cacau em pó, agora entra no promissor mercado do chocolate de excelência”, afirma Moncayo.
E há um atributo a mais, de grande apelo nos países ricos e que vira até assunto entre quem vai saborear o Kallari: este é um produto amazônico, de origem sustentável, que sai das mãos de cacaueiros ribeirinhos.
Antes, esse grupo de produtores tinha um nome enorme: Associação dos Pequenos Agricultores de Cacau do Alto Médio Rio Napo do Cantão de Tena. Depois, com orientação mercadológica de uma ONG americana, mudaram o nome, que é uma marca, por trás de uma sabedoria quíchua. “É uma palavra quíchua que, ao mesmo tempo, significa ‘resgate’ e ‘despertar’. Recuperamos o conhecimento dos nossos ancestrais no manejo das florestas, fazendo um cultivo que não agride o ambiente, e projetamos para o futuro uma conservação que garanta a sobrevivência da floresta e de nossos filhos. Por muito tempo, fomos menosprezados: achavam que na Amazônia não se podia produzir nada. Estamos mostrando que aqui se pode fazer uma agricultura sustentável”, afirma Alvarado.
Fonte: Globo Amazônia