Tempo ruim para a agricultura, anuncia Jornal da Unicamp

Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Unicamp e da Embrapa projetam que mudanças climáticas causarão grandes prejuízos ao setor agrícola brasileiro.

As mudanças climáticas em curso no planeta deverão impactar profundamente o setor agrícola brasileiro, a ponto de alterar a geografia da produção nacional. A projeção é de uma pesquisa inédita desenvolvida por pesquisadores da Unicamp em parceria com a Embrapa Informática Agropecuária, encomendada e financiada pela Embaixada Britânica no Brasil. O estudo, que dividiu o território do país em porções de 50 quilômetros quadrados, estabeleceu dois cenários diferentes para o comportamento de nove culturas (algodão, arroz, café arábica, cana-de-açúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja), tendo em vista o avanço do aquecimento global nos anos de 2020, 2050 e 2070. No mais pessimista deles, a soja sofreria perda de área da ordem de 40% em 2070.
 
Já o café registraria redução de 33% no mesmo período, e deixaria os estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, para migrar em direção a Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde as condições se tornariam mais favoráveis. As perdas financeiras, no panorama mais dramático, chegariam a R$ 14 bilhões ao ano em relação à safra de grãos. Conforme o trabalho, apenas a cana-de-açúcar e a mandioca seriam beneficiadas com o gradual aumento de temperatura.

Batizado de Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira, o trabalho elaborado pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa constitui uma espécie de versão local do Relatório Stern, documento também encomendado pelo governo britânico e tornado público em outubro de 2006. Na época, uma equipe comandada por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, concluiu que o Produto Interno Bruto (BIP) mundial sofreria uma redução de 3% (algo como US$ 1,3 trilhão) ao ano caso a temperatura do planeta se eleve em 3 graus Celsius. No caso brasileiro, conforme o recente estudo, as perdas não seriam obviamente tão gigantescas, mas já seriam suficientes para produzir importantes impactos econômicos e sociais.

De acordo com um dos coordenadores do relatório brasileiro, professor Hilton Silveira Pinto, diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), órgão da Unicamp, se nada for feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e adaptar as culturas às futuras condições climáticas do país, o Brasil pode amargar perdas de R$ 7,4 bilhões na safra de grãos em 2020. Em 2070, esse valor tenderia a alcançar R$ 14 bilhões. "Não se trata de fazer terrorismo, mas sim de estabelecer cenários factíveis baseados em metodologias comprovadamente eficazes. A intenção do trabalho é proporcionar aos tomadores de decisão, tanto na esfera pública quanto privada, um instrumento que possa orientar ações e políticas públicas que pretendam enfrentar seriamente o problema", explica.

O foco do estudo, que consumiu dez meses de trabalho e R$ 530 mil em investimentos, foi definir a atual e a futura situação da agropecuária brasileira, no que se refere à geografia de produção. Para isso, os pesquisadores se valeram de uma tecnologia denominada Zoneamento de Riscos Climáticos, desenvolvido em 1995 pelos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, em cooperação com o Cepagri, a Embrapa Informática Agropecuária e outras instituições de pesquisa. Atualmente, o zoneamento norteia as políticas de financiamento e de seguro agrícola no país. Dito de maneira simplificada, os especialistas criaram um mapa que indica qual a probabilidade de sucesso do plantio de uma determinada cultura num dado local, tendo em vista o comportamento do clima. "Com base nessa experiência, nós simulamos o que pode acontecer com a agricultura brasileira em face do processo de aquecimento global", esclarece o professor Hilton.

A tarefa, porém, não foi tão trivial quanto pode parecer à primeira vista. Na prática, os pesquisadores tiveram que refinar os dados já existentes, de maneira a obter mais detalhes sobre o possível comportamento das nove culturas tomadas para análise, em face do projetado aumento de temperatura. As informações anteriores, destaca o diretor-associado do Cepagri, foram formuladas com base nas projeções realizadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Ocorre, porém, que o IPCC considera o aquecimento global como um fenômeno que afetaria o mundo de forma homogênea, o que é pouco provável. Ademais, o organismo considera uma grade mundial uniforme de 110 quilômetros quadrados para formular suas previsões.

No modelo proposto pelo novo estudo, o Brasil foi dividido em áreas menores, de apenas 50 quilômetros quadrados. Além disso, foi considerada a variação térmica regional, tendo como base trabalhos desenvolvidos pelo Hadley Centre, na Grã Bretanha, e pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cpetec), órgão vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "Com isso, nós conseguimos pormenorizar os dados e refinar ainda mais as simulações, afirma o professor Hilton. As projeções que emergem do trabalho, registre-se, são no mínimo preocupantes. Elas revelam que a nossa agricultura estará vulnerável nos cenários que delineamos", adverte o outro coordenador da pesquisa, Eduardo Delgado Assad, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária.

Como dito anteriormente, o estudo estabeleceu dois cenários possíveis. O primeiro deles, denominado A2, é o mais pessimista. Nesse caso, o aumento de temperatura seria da ordem de 2 a 5,4 graus Celsius. O segundo, menos dramático, batizado de B2, trabalha com uma variação de 1,4 a 3,8 graus Celsius no mesmo período. A partir desses parâmetros, o relatório estima que o algodão, por exemplo, sofreria um impacto negativo de R$ 312 milhões em 2020, R$ 401 milhões em 2050 e 444,8 milhões em 2070, tendo como referência a situação B2. No cenário A2, as perdas seriam, respectivamente, de R$ 313 milhões, R$ 407 milhões e R$ 456 milhões. A redução da área apta para plantio da cultura seria de 11% em 2020 e de 16% em 2070 em ambos os cenários.

A soja, cultura mais vulnerável à possível variação térmica, é a que mais deve sofrer impactos negativos com a elevação da temperatura, conforme o estudo promovido pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa. As simulações demonstram que as regiões ao Sul do país e as localizadas nos cerrados nordestinos serão fortemente prejudicadas. No cenário A2, a perda de área cultivável pode chegar a 40% em 2070. "Isso em decorrência da redução da disponibilidade hídrica e do possível impacto dos veranicos mais intensos", esclarece o professor Hilton. Em termos financeiros, o prejuízo alcançaria a cifra de R$ 7,6 bilhões, praticamente metade das perdas que a agricultura brasileira registraria naquele ano.

Quanto ao café arábica, as simulações presentes na pesquisa confirmam estudos anteriores promovidos pelos próprios pesquisadores da Unicamp e Embrapa Informática. No cenário mais pessimista, a cultura perderia algo como 33% de sua área em 2070, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, o que representaria um prejuízo financeiro de cerca de R$ 3 bilhões. O dado atenuante é que haveria uma tendência de incremento da produção em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. "Entretanto, essa migração não é tão fácil de ser feita. Um fator complicador deve ser a mão-de-obra. Num lugar onde tradicionalmente nunca se plantou café, é bem provável que não haja pessoal preparado para lidar com esse tipo de cultura", assinala Eduardo Assad.

Cana -- Mas nem todas as nove culturas tomadas para estudo pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa, que no conjunto representam 86% do BIP agrícola brasileiro, seriam afetadas negativamente pelo processo de aquecimento global. A cana-de-açúcar seria beneficiada, segundo a pesquisa. No caso dessa planta haveria até mesmo um significativo incremento tanto da área plantada quanto dos recursos advindos da sua exploração. Localidades do Sul do país, que hoje apresentam restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões com razoável potencial produtivo. A expectativa apontada pelo trabalho é que a cultura, que atualmente ocupa 6 milhões de hectares, passe a tomar 17 milhões de hectares em 2020, considerando-se o cenário B2. Com essa expansão, os recursos gerados pelo setor subiriam de R$ 17 bilhões para R$ 29 bilhões no período.

Todavia, caso a temperatura continue subindo, a tendência é que esse desempenho seja prejudicado, visto que a cultura se tornaria mais dependente de irrigação. Nesse caso, ainda levando em consideração o cenário B2, a área cultivada cairia em 2070 para 15 milhões de hectares e o faturamento, para R$ 24 bilhões. No caso do cenário A2, o mais dramático em termos de variação climática, a cana atingiria, em 2020, 16 milhões de hectares de área cultivada, regredindo para 13 milhões cinco décadas depois. Em termos financeiros, o valor de produção bateria em R$ 27 bilhões no primeiro momento e 20 bilhões, no segundo. "Embora a cana-de-açúcar possa vir a apresentar ganhos financeiros nos cenários descritos, essa possibilidade também representa um risco. É sabido que a pior coisa que pode acontecer a um país é ele basear a sua agricultura em cima de um único produto", alerta o professor Hilton.

Investimento em biotecnologia -- O estudo Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira será tornado público em 11 de agosto, dia em que esta edição do Jornal da Unicamp começa a circular. A apresentação dos resultados será feita durante do 7 Congresso Brasileiro de Agrobusiness, promovido pela Associação Brasileira de Agrobusiness (Abag), em São Paulo. Na oportunidade, o empresariado e a sociedade brasileira de modo geral terão razoável antevisão dos desafios que o setor agrícola do país terá que enfrentar em razão das mudanças climáticas em curso no planeta. E eles serão bastante complexos, como analisa Eduardo Assad, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária e um dos coordenadores do trabalho.  De acordo com ele, há dois caminhos para enfrentar o problema.

O primeiro, e talvez o menos difícil, está relacionado às medidas mitigadoras. Na opinião do pesquisador, as ações nessa linha são amplamente conhecidas e as tecnologias já estão disponíveis. Além disso, a maior parte das iniciativas depende muito mais de uma assinatura do que de políticas públicas intrincadas. "Incentivar o plantio direto, impulsionar o reflorestamento da Amazônia ou reduzir as queimadas são decisões que dependem basicamente de uma canetada, para ser um tanto simplista. Isso não é tão complicado, mas ainda precisa ser feito. Difícil será trabalhar para adaptar nossas culturas às novas condições climáticas que estão se apresentando. Estamos falando de um novo mundo", destaca.

Em outros termos, o Brasil precisará investir fortemente em biotecnologia para desenvolver plantas mais resistentes ao que os especialistas chamam de estresse climático. "É um jogo para gente grande, mas o país já é grande nessa área. Nós temos pessoal qualificado, conhecimento e laboratórios. Entretanto, faltam recursos. Apenas para dar uma idéia do montante necessário para fazer frente a esses problemas, alguns cientistas estimam que o desenvolvimento de uma nova variedade de soja exigiria aporte de aproximadamente R$ 100 milhões. Até aqui, os órgãos governamentais e as agências de fomento têm falado na liberação de algumas dezenas de milhões de reais para o financiamento de pesquisas relacionadas ao aquecimento global. Além de ser pouco dinheiro, os programas ainda não saíram do plano das intenções", lamenta Eduardo Assad.

Outro problema associado aos obstáculos que o Brasil precisará enfrentar reside no tempo disponível para a adoção das soluções. Para desenvolver uma variedade de café mais resistente ao aumento de temperatura seriam necessários de sete a dez anos de pesquisas. Depois disso, ainda seria preciso um tempo razoável para substituir as espécies antigas pela nova. "Ainda usando o esporte como referência, eu diria que este jogo já está se encaminhado para o final do primeiro tempo. Ou seja, se não começarmos a jogar agora, dificilmente vamos conseguir vencer a partida", acrescenta o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária. O outro coordenador do estudo, professor Hilton Silveira Pinto, diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), órgão da Unicamp, assinala que as condições que deverão ser impostas pela variação climática acarretarão também uma mudança de paradigma em um segmento específico da ciência.

Simplificando, os pesquisadores envolvidos em estudos de melhoramento genético não poderão mais se preocupar em desenvolver plantas que sejam apenas altamente produtivas. Antes disso, elas terão que ser resistentes ao estresse climático. "De modo geral, as plantas "trabalham" bem até 32 ou 33 graus. Acima disso, elas podem até crescer e gerar folhas, mas dificilmente geram frutos. Em Foz do Iguaçu, cidade de clima úmido e quente, nós temos um claro exemplo disso. Lá, os pés de café atingem até quatro metros de altura, mas não produzem um fruto sequer", compara o professor Hilton. Eduardo Assad completa o raciocínio dizendo que o desafio que se impõe ao Brasil exigirá, sim, o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados, para fazer frente à demanda por alimentos e energia  leia-se biocombustíveis. "Estamos falando da adoção de transgênicos de segunda geração, com ou sem críticas", afirma.

Embora se classifique como um "simpatizante" da agroecologia, o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária diz que esse modelo dificilmente dará conta de responder às futuras necessidades do país. "Se a temperatura subir nas proporções previstas, pouco adiantará que a planta tenha sido cultivada com base nos princípios da agroecologia. Ela certamente vai morrer, a despeito da filosofia que esteja por trás dela", diz. Eduardo Assad lembra, ainda, que as conseqüências que podem ser causadas pelo possível agravamento das mudanças climáticas não se restringirão à perda de áreas cultiváveis ou à redução do faturamento do agronegócio natural. Elas também deverão gerar implicações sociais importantes.

No caso do Nordeste, por exemplo, a tendência é que a região deixe de ser semi-árida para se tornar árida. Com isso, grande parte dos municípios passaria a não estar apta a produzir o que quer que seja. Como resultado, é possível que ocorra uma forte desvalorização das terras, o que pode ocasionar a migração em massa da população local para outros locais, interessada na busca por empregos e melhores condições de vida. Mesmo no Sul e Sudeste, informam os autores do estudo, a perspectiva também é de que ocorra o agravamento dos problemas sociais. A eventual substituição de uma cultura por outra pode acarretar desemprego, seja pelo uso mais intenso da mecanização, seja pelo despreparo dos trabalhadores rurais para o manejo de uma cultura até então desconhecida. Em termos mais simples, quem sabe lidar com cafezal normalmente tem sérias dificuldades para cuidar do seringal.

E as adversidades não terminam aí, como lembra Eduardo Assad. Fora da esfera da agricultura, o Brasil também deverá enfrentar problemas por conta dos efeitos do aquecimento global. Os grandes centros urbanos, que concentram a maior parte da população brasileira, terão igualmente que se adaptar às novas situações. "É provável que o país necessite de uma enorme infra-estrutura para fazer frente a problemas como a possível elevação das marés. Isso também tem que começar a ser pensado", alerta.  Tanto ele quanto o professor Hilton fazem questão de reafirmar, porém, que o estudo não deve ser encarado como o prenúncio do apocalipse. Ambos insistem que o país dispõe de competência para propor soluções para as dificuldades descritas anteriormente.

Mais do que isso, asseguram em uníssono, o Brasil tem capacidade para transformar uma situação que se apresenta como extremamente preocupante em uma oportunidade única para a construção de conhecimentos aplicáveis especialmente à agricultura. "Temos sido procurados por outros países, que demonstram interesse no nosso modelo de Zoneamento de Riscos Climáticos. Somos o único país no mundo, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território, a dispor desse tipo de tecnologia. Se trabalharmos direito, penso que podemos nos transformar num fornecedor de soluções para as outras nações, principalmente as que estão localizadas dentro da zona tropical", antevê Eduardo Assad. "De fato, nós queremos e temos condições de ensinar. Entretanto, se não começarmos a agir agora, de forma coordenada e conseqüente, pode ser que no futuro nós tenhamos que aprender com alguém", acrescenta o professor Hilton.

Antes de concluírem o atual estudo, os pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática Agropecuária já dispunham de pistas sobre o que pode vir a acontecer com algumas culturas agrícolas brasileiras caso a temperatura do planeta continue avançando nos patamares apontados pelo IPCC. Em 2005, o Jornal da Unicamp publicou reportagem na qual detalhava uma pesquisa concluída pelas duas instituições referente ao café, arroz, feijão, milho e soja. Na oportunidade, os cientistas já antecipavam que as áreas de cultivo desses produtos seriam drasticamente reduzidas na hipótese de a variação ficar na casa de 5,8 graus Celsius. Nesse quadro, o café arábica simplesmente desapareceria dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

Algumas das projeções:

Algodão

Partindo da produção de 2,9 milhões de toneladas em 2006, com um valor de R$ 2,8 bilhões, segundo o IBGE, espera-se um impacto negativo de R$ 312 milhões em 2020, de R$ 401 milhões em 2050, chegando a R$ 444,8 milhões em 2070, no cenário B2. No cenário A2, os números não variam muito: R$ 313 milhões, R$ 407 milhões e R$ 456 milhões, respectivamente. O prejuízo será um reflexo da redução de área apta ao plantio, que começa com queda de 11% em 2020 e fica por volta de 16% em 2070 (nos dois cenários).

Arroz

O estudo prevê para 2020 uma redução da área de baixo risco ao plantio que vai de 8,56% no cenário B2 a 9,7% no A2. Essa perda vai para 12,5% em 2050 e para cerca de 14% em 2070 nos dois cenários avaliados. Tomando como base a produção de 11,5 milhões de toneladas, com um valor de R$ 4,3 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento do clima trará um prejuízo em 2020 de R$ 368 milhões (B2) a R$ 417 milhões (A2). Em 2050 as perdas deverão estar em torno de R$ 530 milhões e, em 2070, de pouco mais de R$ 600 milhões, nos dois cenários.

Café

As projeções para o café arábica confirmaram as simulações feitas anteriormente pela Unicamp e pela Embrapa com os dados do IPCC-2001. A cultura poderá ser atingida ou por deficiência hídrica ou por excesso térmico nas regiões tradicionais. Os Estados de São Paulo e Minas Gerais deverão perder condições de plantio em boa parte da área hoje cultivada. Por outro lado, poderá haver um incremento de produção em regiões do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, apesar de este acréscimo não ser capaz de compensar as perdas gerais da cultura. Em um primeiro momento (2020), a queda de área apta pode não parecer tão brusca no cenário B2: 6,75%. Mas em 2050 o total de terrenos propícios ao café pode diminuir 18,3%, chegando a 27,39% em 2070. Tomando como base a produção de 2,5 milhões de toneladas, com um valor de produção de R$ 9,3 bilhões, segundo dados de 2006 do IBGE, o aquecimento global deve trazer prejuízos de pelo menos R$ 600 milhões em 2020, R$ 1,7 bilhão em 2050 e R$ 2,55 bilhões em 2070 (B2). No cenário mais pessimista, A2, a queda de área de baixo risco começa com 9,48% em 2020, subindo para 17,1% em 2050 e chegando a 33% em 2070. Isso deve representar um prejuízo de, respectivamente: R$ 882 milhões, R$ 1,6 bilhão e R$ 3 bilhões.

Cana

É a cultura que mais pode ser favorecida com o aquecimento global. Áreas do Sul do Brasil, hoje com restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões de potencial produtivo dentro de 10 a 20 anos. Locais do Centro-Oeste, que hoje apresentam um alto potencial produtivo, devem permanecer como áreas de baixo risco, porém serão cada vez mais dependentes de irrigação complementar no período mais seco. A expectativa é que a cultura, que hoje conta com uma área potencial de cerca de 6 milhões de hectares, possa vir a se espalhar por quase 17 milhões de hectares em 2020 no cenário B2. Com essa expansão, o valor da produção, que em 2006 era de quase R$ 17 bilhões, poderá subir para R$ 29 bilhões em 2020 no B2. Com o passar das décadas, e o aumento contínuo da temperatura, a cultura já não ficará mais tão confortável e precisará mais de irrigação. A área total deve então cair para 15 milhões de hectares até 2070, ainda no cenário B2, o que deve diminuir o rendimento para R$ 24 bilhões. Já no A2, a cana atinge num primeiro momento uma área de 16 milhões de hectares, decrescendo para 13 milhões até 2070. Neste cenário, o valor da produção pode subir para R$ 27 bilhões em 2020, regredindo para R$ 20 bilhões em 2070.

Feijão

Tomando como base a produção de 3,45 milhões de toneladas, com um valor de R$ 3,5 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento do clima trará um prejuízo em 2020 de cerca de R$ 155 milhões, em decorrência de uma redução de 4,3% de área apta. Em 2050 a área favorável ao plantio da cultura deve diminuir cerca de 10%, provocando um prejuízo de R$ 360 milhões. Em 2070 a perda pode chegar a R$ 473 milhões, com a redução da área de baixo risco de até 13,3%. Os números valem para os dois cenários.

Girassol

Este estudo não chegou a calcular o impacto econômico que será sofrido pela cultura diante do aquecimento global porque hoje seu valor de produção ainda é pequeno no balanço agrícola geral. Com as mudanças climáticas, a oferta de área apta sofrerá uma redução de 14% em 2020, número que passa para cerca de 16,5% em 2050, chegando a 18% em 2070, nos dois cenários.

Mandioca

A cultura terá um acréscimo geral da área de plantio com baixo risco no país. Esse ganho de produção ocorrerá principalmente na região Sul, devido à diminuição de locais sujeitos a geadas. A Amazônia também poderá ser beneficiada pelo crescimento da área de plantio, mas em decorrência da diminuição dos excedentes hídricos. Esse cenário de crescimento geral mascara, no entanto, as graves perdas que a cultura deve sofrer no Nordeste. O aumento de temperatura deve levar a uma forte expansão das áreas de alto risco de produção de mandioca na região do Semi-Árido e no Agreste nordestino, justamente onde a raiz é mais significativa para a segurança alimentar. De acordo com as simulações, em um primeiro momento (2020) o aumento da temperatura não será vantajoso para a cultura, em todo o país, já que nessa ocasião o Semi-Árido nordestino deixará de ser um local de baixo risco para a cultura e outras regiões ainda não estarão quentes o suficiente para ela. Em 2020 as perdas de área devem variar de 2,5% a 3,1%, respectivamente nos cenários B2 e A2, com um prejuízo de R$ 109 milhões no primeiro caso e R$ 137 milhões no segundo, tomando como base a produção de 26 milhões de toneladas, com um valor de R$ 4,3 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE. Nas décadas seguintes a situação melhora para a raiz, que encontrará áreas mais favoráveis no Sul do país, por conta da redução do risco de geada, e na Amazônia, pela diminuição do excedente hídrico. O aumento da área apta começa com 7,29% em 2050, chegando a 16,61% em 2070, no cenário B2. Nesta situação, os ganhos devem ser de R$ 318,8 milhões e R$ 726 milhões, respectivamente. No cenário A2, o avanço de área favorável é ainda maior: 13,48% em 2050 e 21,26% em 2070, com ganhos de R$ 589 milhões a R$ 929 milhões.

Milho

A cultura chega a 2020 com uma área favorável 12% menor nos dois cenários, número que sobe para 15% em 2050 e 17% em 2070. Tomando como base a produção de 42,6 milhões de toneladas, que teve como valor R$ 9,9 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento global deve provocar uma queda em torno de R$ 1,2 bilhão no valor da produção em 2020. O prejuízo pode passar a cerca de R$ 1,5 bilhão em 2050, chegando a R$ 1,7 bilhão em 2070.

Soja

Esta é a cultura que mais deve sofrer com a elevação de temperatura. As simulações mostram que as regiões ao sul do país e as localizadas nos cerrados nordestinos serão fortemente atingidas. No pior cenário, as perdas podem chegar a 40% em 2070, em decorrência do aumento da deficiência hídrica e do possível impacto dos veranicos mais intensos. O grão, que atualmente apresenta o maior valor de produção da agricultura brasileira  R$ 18,4 bilhões (segundo dados de 2006)  e é o principal produto agrícola exportado pelo país, pode apresentar já em 2020 uma perda de R$ 3,9 bilhões a R$ 4,3 bilhões (cenários B2 e A2, respectivamente), promovida por uma redução de área de baixo risco ao cultivo que vai de 21,62% a 23,59%. Em 2050, o prejuízo pode subir para algo entre R$ 5,47 bilhões (B2) e R$ 6,3 bilhões (A2), como reflexo de uma área apta entre 29,6% e 34,1% menor que a atual. Para 2070, no melhor cenário o prejuízo será de R$ 6,4 bilhões (34,86% de área favorável), chegando a R$ 7,6 bilhões (41,39%) no pior cenário. Isso equivale à metade das perdas que a agricultura brasileira deve ter nesta ocasião.

Relatório de 2006 causou impacto e suscitou debates -- Antes de a Embaixada Britânica no Brasil se dispor a financiar o estudo desenvolvido pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa Informática Agropecuária, o governo daquele país já havia bancando, em 2006, uma pesquisa relacionada aos impactos que podem ser provocados pelo aquecimento global em âmbito mundial. A tarefa foi entregue a Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. O relatório, posteriormente batizado com o sobrenome do seu coordenador, somou cerca de 600 páginas e concluiu que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, que é a soma de todas as riquezas produzidas no planeta, sofreria uma perda de 3% caso a temperatura média da Terra suba três graus Celsius. O documento causou um enorme impacto na opinião pública e suscitou intensos debates no âmbito da comunidade científica e entre autoridades governamentais. O Relatório Stern também apontou que ficaria muito mais barato controlar as emissões de gases de efeitos estufa, tidos como a principal causa do aquecimento global, do que arcar com os prejuízos que o fenômeno pode acarretar. Pelos cálculos da equipe comandada por Nicholas Stern, as ações mitigadoras exigiriam investimentos da ordem de 1% do PIB mundial. Ainda segundo o relatório, caso as mudanças climáticas não sejam enfrentadas seriamente, as principais vítimas dos seus efeitos serão os habitantes dos países mais pobres. (Fonte: Resumo Executivo  Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira)

 

Fonte: Jornal da Unicamp, Edição 404 - 11 a 17 de agosto de 2008